PRIMEIRO CAPÍTULO - PELE DE CORDEIRO

20/01/2013 21:47

PELE DE CORDEIRO

Texto de Wanderson Mota

Obs: Para melhor entrar no clima de Pele de Cordeiro, procure no Kboing ou qualquer meio de sua preferência ouvir música as canções Senhor do Tempo de Charlie Brown Jr e Malandragem de Cássia Eller que serão usadas nesse capítulo. I Want to Hold Your Hand dos Beatles fica a seu critério.

I CENA
Musica sugerida: I Want to Hold Your Hand (The Beatles)

Santos, São Paulo. Estrada de Santos. Quatro horas da tarde.
Patrícia Lemos, grávida de dois meses, dirige seu carro em direção à cidade de Santos retornando de São Paulo capital. Ela ouve Beatles, tamborilando os dedos no volante do carro e acompanhando a letra da música com um inglês impecável e um afinação desastrosa. A viagem é tranquila, uma garoa silenciosa cai sobre a pista. Não há grande tráfego na estrada como é de costume. A paz de repente é interrompida pelo alarme do celular. No visor do aparelho aparece o nome Amor. Patrícia atende...
Patrícia: Oi meu amor!
É Ricardo seu marido, que fala tentando demostrar calma.
Ricardo: Meu amor, o que a gente tinha combinado?
Patrícia: Não estou entendo meu bem!
Ricardo: Guta já ligou de casa e disse que você saiu no carro dirigindo sozinha! E eu já pedi que enquanto você estiver grávida é para ficar longe do volante.
Patrícia: Tinha que ser a Guta! Amor, eu apenas fui buscar o enxoval do bebê que encomendei naquela loja finérrima que a tia Inácia é sócia em São Paulo, lembra?
Ricardo: Claro que lembro. Mas a loja também tem serviço de entrega meu amor! Não precisava você pegar o carro e sair dirigindo até São Paulo só para pegar um enxoval Patrícia. Eu repito, não quero você dirigindo sozinha enquanto estiver grávida!
Patrícia: Amor eu só estou com dois meses... Ah, e dois meses incompletos! Não precisa ficar preocupado como se a qualquer momento eu pudesse dar a luz ao bebê. Além do mais eu estava entediada de ficar em casa já que você me deixou presa em regime semiaberto por causa da gravidez.  As vezes você parece bobo meu bem!
Ricardo: Então eu pareço bobo por me preocupar com você, é isso dona Patrícia?
Patrícia: Mas é o bobinho do meu coração. Não precisa se preocupar eu já estou quase chegando. Em meia hora estou em casa tá ouvindo?
Ricardo: Patrícia para isso nós temos motorista. É para isso que eu pago ele e é para isso que ele serve!
Patrícia: Eu estava com vontade de dirigir é só isso. Ah, e não se deve negar um desejo de grávida hein. Quer que nosso filho nasça com cara de volante?
Ricardo: E você ainda brinca Patrícia!
Patrícia ri levemente.
Patrícia: Ah meu amor, você entendeu. Já estou quase chegando. Vou ter que desligar agora. Beijos te amo.
Em seu escritório Ricardo fica indignado olhando para o visor do celular. E comenta com Herbert, seu colega de trabalho:
Ricardo: Porque mulher é tão teimosa hein? Eu falo, falo, falo para Patrícia mas parece que ela não me ouve. Parece não. Ela não me ouve!
Herbert: Vá saber Ricardo! Vá saber!
Patrícia sempre ri das preocupações exageradas de Ricardo. Desliga o celular e retira a atenção da estrada enquanto guarda o celular no porta luvas do carro. Quando volta a visão para a estrada, apenas vê o vulto de uma vaca e assustada gira o volante totalmente para a não bater no animal, mas com o freio brusco em seguida não deu outra: o carro desliza pela pista, bate violentamente no encostamento e para Patrícia tudo se apaga...
Alguns minutos depois uma voz...
Gustavo: Calma, calma vai ficar tudo bem. Não se mova!
Patrícia com a vista embaçada e muita dor de cabeça percebe estar deitada no asfalto molhado da pista. A garoa que persiste em cair molha seu rosto e impede que enxergue com clareza o rosto daquele que fala com ela. Apenas uma silhueta escura de um rapaz.
Gustavo: Você está me ouvindo bem?
Patrícia não vê o belo jovem de porte atlético, cabelos crespos e de pele clara que está do seu lado. Ele é Gustavo Ferreira.
Patrícia: Estou. Mas o que aconteceu? Porque estou aqui deitada...?
Gustavo: Você sofreu um acidente!
Patrícia: Um acidente?! Meu bebê! Eu estou grávida!...
Gustavo: Calma, está tudo bem. Não foi nada grave. Já chamei a emergência!
Patrícia começa a chorar.
Gustavo: Não precisa chorar senhora. Você está bem. Isso foi um milagre de Deus e para comprovar vai estar tudo bem com seu bebê também. Eu lhe prometo!
O som da sirene das ambulâncias do SAMU aproxima-se. Em instantes a equipe imobiliza Patrícia cuidadosamente e colocam-na no interior da unidade móvel para primeiros exames em direção ao hospital. Gustavo acompanha a equipe do lado de Patrícia.
Enfermeira: Você é algum parente dela?
Gustavo olha para Patrícia que está sendo examinada e responde...
Gustavo: Sou amigo da família e tive sorte de estar no lugar certo na hora certa...
Enfermeira: Tem como ligar para algum parente?
Gustavo: Achei esse celular do lado dela dentro do carro. Certamente tem o numero de algum familiar.
Enfermeira: Olhe no registro de chamadas.
Gustavo acessa a lista de chamadas e vê o nome AMOR. Deduz que deve ser alguém muito intimo e por isso logo efetua chamada. Em poucos instantes uma voz rouca atende...
Ricardo: Fala Patrícia.
Gustavo: Quem está falando?
Ricardo estranha a voz masculina do outro lado da linha.
Ricardo: Alô? Quem está falando?
Gustavo: Oi aqui é Gustavo. Patrícia é a dona desse celular certo? Pois bem ela sofreu um acidente na aqui na estrada de Santos.
RICARDO: Como? Acidente?!
GUSTAVO: Sim. Havia um animal na estrada e...
Ricardo: Eu sabia! Eu tinha avisado! Como ela está? Onde vocês estão?
Gustavo: Mas não se preocupe ela está bem. Foi socorrida e está sendo levada para o hospital agora.
Ricardo: Me diz o endereço do hospital.
Gustavo repassa o celular para a enfermeira que concede o endereço do hospital para onde estão indo. Ricardo fica impaciente e começa a chorar pelo telefone. Mas a enfermeira apazigua seu espírito dizendo que está tudo bem. Não houve graves ferimentos, apenas escoriações. Só irão para o hospital para fazer exames para saber como está o bebê. Patrícia não para de chorar repetindo inúmeras vezes “meu bebê, meu bebê”!
Gustavo está do lado segurando a mão de Patrícia e observa a beleza da jovem ouvindo a enfermeira no celular conversando com Ricardo.
Enfermeira: Não há motivos para se preocupar senhor. O pior já passou. Aconteceu um milagre com sua esposa. Poderia ter sido pior nas condições chuvosas desse dia. Mas Deus colocou um anjo no caminho dela. Um rapaz socorreu e prestou os primeiros socorros melhor que muitos profissionais por aí...
Ricardo: É o tal Gustavo que me ligou?
Enfermeira: Sim é ele. Deverão agradecer muito a ele.
Ricardo: Passe o celular para ele...
Gustavo põe o celular no ouvido...
Gustavo: Oi...
Ricardo: Meu rapaz sou eternamente grato por você. As duas coisas mais preciosas da minha vida só estão bem por sua causa. Por favor, preciso conhece-lo para lhe retribuir o bem que fez a mim e minha família!
Gustavo: Não senhor. Não precisa. O que fiz foi apenas o papel que me coube!
Ricardo: Eu faço questão meu rapaz... Bom, você está indo com a equipe não é mesmo?  Nos encontraremos no hospital.
Ricardo desliga o telefone antes que Gustavo pudesse falar. Volta então a admirar Patrícia que já dorme tranquilizada por remédios.
II CENA

Casa da Família Lemos...
Guta, a empregada da família está no telefone. Fala apreensiva com Ricardo. Lídia, prima de Patrícia, entra às pressas pegando o fim da conversa enquanto fecha a porta...
Guta: Tudo bem senhor Ricardo vou avisar dona Edna da melhor forma possível. Se é que é se pode dar uma notícia dessas de uma forma boa, não é? Ok então.
Guta desliga o telefone.
Lídia: Era Ricardo não é? Pelo jeito ele deu a notícia a você também.
Guta: Sim, dona Patrícia sofreu um acidente na estrada vindo de São Paulo. A senhora já sabia dona Lídia?
Lídia: Sim. Ricardo ligou para Eriberto desmarcando uma reunião que aconteceria na presidência da construtora hoje por causa desse acidente. Nossa, quando Eriberto ligou para redação do jornal eu vim voando deixei um monte de coisas para resolver pela metade!
Guta: Ai meu Deus, a dona Edna vai ficar muito preocupada.
Neste instante entra Edna na sala, caminhando apoiada em uma bengala.
Edna: Porque vou ficar muito preocupada Guta? Lídia você por aqui este horário? O que aconteceu?
Lídia: Titia a Patrícia sofreu um acidente na estrada de Santos.
Edna: Um acidente?!
Edna recebe o choque de tal notícia ao ponto de rapidamente sentar-se. Guta ampara a velha senhora.
Guta: Mas está tudo bem com ela. Seu Ricardo me ligou e disse que tanto ela como o bebê está bem dona Edna. Seu Ricardo foi para o hospital...
Edna: Mas como isso aconteceu meu Deus?
Guta: Ela foi se desviar de um animal na estrada dona Edna, aí perdeu o controle e o carro derrapou na pista. Só parou por causa do acostamento!
Edna: Meu Deus! Quero ver minha filha agora.
Lídia: Acho melhor ficarmos em casa titia. Ricardo já disse que está tudo bem!
Edna: Eu quero ver minha filha, vocês não estão entendendo?
Guta: Vou pedir que Alceu prepare o carro para nos levar até lá.
Lídia: Você tem o endereço do hospital Guta?
Guta: Sim tenho. Seu Ricardo me repassou pelo telefone.
III CENA

Sala de espera do Hospital...
Gustavo está sentado em um sofá na sala de espera, quando entra Ricardo acompanhado de Eriberto que se dirigem à mesa de informação.
Ricardo: Quero ver a paciente Patrícia Lemos Cavalcanti, sou marido dela.
Atendente: No momento não será possível. A paciente está passando por exames.
Ricardo eleva a voz...
Ricardo: Você não está entendendo não? A minha esposa sofreu um acidente eu preciso vê-la agora...
Eriberto: Calma Ricardo! Isso é um procedimento comum mesmo.
Ricardo: Que raio de procedimento! Eu preciso ver a Patrícia.
Gustavo que observava a cena a certa distancia se aproxima devagar...
Gustavo: Doutor Ricardo Lemos?...
Ricardo: Pois não...
Gustavo: Prazer, sou Gustavo Ferreira.
Ricardo aperta a mão de Gustavo e em seguida, percebendo que foi o rapaz que salvou sua esposa lhe dar um forte abraço.
Ricardo: Muito obrigado rapaz. Muito obrigado! Eu não tenho palavras para agradecer o que você fez por nós. Deus colocou você em nossas vidas! E ela onde está? Você sabe como ela está, se está bem...
Gustavo: Não há sequer o menor motivo para preocupação. Ela está muito bem. Conversei com o médico a pouco e ele apenas fez alguns exames para saber a situação do bebê, mas me disse que quanto a isso está tudo bem. A sua esposa apenas dorme no momento.
Ricardo: Que ótimo saber disso!
Eriberto: Então Ricardo rapaz que é o tal anjo?
Gustavo ri envergonhado...
Gustavo: Que nada doutor!
Eriberto: Meu rapaz, isso foi um ato heroico. Prazer sou Eriberto Prado!
Gustavo: Sou Gustavo Ferreira.
Eriberto: Pelo que Ricardo me disse que conversou com as enfermeiras por telefone elas disseram que você procedeu da melhor forma possível quando socorreu Patrícia. De onde vem esse conhecimento?
Gustavo: Estou no quarto período do curso de Enfermagem.
Eriberto: É, deve ser Deus mesmo. Embora eu seja um pré-ateu, diante de tudo que tá acontecendo hoje em dia, atribuir essa coincidência ao acaso seria no mínimo cinismo meu!
Ricardo, não deu muita atenção à conversa dos dois. Estava impaciente e preocupado. A vontade dele era adentrar as dependências do hospital até encontrar o leito onde estava sua amada. Naquele momento entrou na sala de espera dona Edna seguida por Lídia e Guta.
Edna: Onde está minha filha? Eu preciso vê-la!
Ricardo: Dona Edna, eu pedi para Guta lhe avisar que estava tudo bem e que nem precisaria vir ao hospital.
Guta: Até parece que você não sabe a sogra que tem seu Ricardo!
Lídia: Eu tentei convencer ela a ficar em casa Ricardo. Mas foi impossível.
Edna: Eu tenho que ver minha filha!
Ricardo: Dona Edna, a Patrícia está dormindo. Não aconteceu nada demais.
Edna: Você está falando a verdade Ricardo? Não estão me escondendo nada, não é?
Ricardo: Não dona Edna, não estamos escondendo nada. Esse rapaz me falou que o médico garantiu que está tudo bem. Com Patrícia e o bebê!
Edna: E quem é esse rapaz?
Eriberto: Ele certamente é o responsável por não ter acontecido nada pior com Patrícia dona Edna.
Edna: Foi você quem tirou a minha filha do carro e prestou os primeiros socorros?
Gustavo: É eu fiz o que tinha que fazer.
Edna deu um forte abraço em Gustavo. Em seguida, pôs as mãos em seus ombros e fitando-lhe nos olhos disse com a voz embargada e lágrimas nos olhos...
Edna: O que Deus ainda me reserva de vida nesta terra é para ser grata pelo que fez meu filho. Muito obrigada!
Guta: Garoto, você é um enviado do céu.
Edna: Diga-me como posso lhe recompensar?
Gustavo: De nenhuma forma senhora!
Edna: Não há algo que eu possa fazer por você?
Gustavo: Já está fazendo. Está me agradecendo, embora eu creia que nem isso é preciso. Venho de um mundo simples, onde fazer o bem, principalmente nessas condições, não precisa de recompensa. Fiz não por opção. Fui obrigado, pois era um semelhante.
Guta: Olha e o menino fala bem!
Edna: Você tem razão meu filho. Ainda sim me sentirei em divida com você pelo que fez!
Eriberto: Percebo que é um rapaz de ouro! Como você existem poucos nesse mundo viu!
Gustavo era realmente encantador. Falava compassivamente, olhar sereno e sempre tinha um leve sorriso amigável no rosto. Logo todos ali presentes se afeiçoaram do caráter justo e simples do jovem Gustavo. Edna se emocionou mais ainda ao assimilar o rapaz ao seu falecido filho do qual sente muitas saudades. Gustavo chamou atenção de todos naquela sala contando como fez para retirar Patrícia do carro. Só retiram atenção da doce narração quando o médico entrou na sala...
Médico: Com licença.
Ricardo se apressa.
Ricardo: Notícias de Patrícia doutor?
Médico: As melhores possíveis. Está tudo bem com ela. Acabou de acordar e vocês podem ir vê-la.
Subitamente Ricardo já cruzava a porta da proibida sem autorização. Todos o seguiram até o quarto onde Patrícia repousava.
IV CENA

Sobrado na zona de periferia de Santos...
Lugar de prostituição e venda de drogas. Um senhor flácido, com longas barbas brancas bate na porta do apartamento número 18. Aquele senhor é Américo, que aluga os quartos do sobrado por um preço acima do que as péssimas condições daquele lugar merecem.
Bate insistentemente na porta.
Américo: Não finge que não está me ouvindo! Abra essa porta!
Do lado de dentro, estava um jovem de cabelos estilo black power jogando vídeo game esparramado na cama enquanto fuma um cigarro.
Américo: Eu sei que você está aí dentro Tuta!
Aquele jovem chama-se Tuta, ou melhor. Já teve inúmeras passagens pela polícia de Santos por furto e assaltos a mão armada. Está livre de encrencas há seis meses. Limita-se somente a aliciar adolescentes para a prostituição nas redondezas.
Tuta: Vai para o inferno velho maldito!
Américo: Ou abre essa porta ou vou chamar a polícia! Já chega é demais isso! São dois meses de aluguel atrasados! Eu estou falando sério. Vou chamar a polícia e arrancar você aí de dentro!
Tuta: Te empresto o telefone se quiser! Se os homens vierem aqui, o primeiro a ser preso é o senhor que vende drogas pra molecada aí no seu barzinho! Geral já sabe do seu negocinho extra! Heheh
Américo fica desconcertado, pois alguns vizinhos já estão pelas janelas olhando o bate-boca.
Américo: Do que é que você está falando? Ora, não seja sínico rapaz! Vocês estão me devendo aluguel e vão ter que pagar!
Tuta então se levanta e vai até a porta. América gela de medo dos pés à cabeça e fica imóvel. Tuta o encara friamente, enquanto ouve a respiração ofegante do velho.
Tuta: Américo, Américo... Eu acho melhor tu ficar caladinho. Sabe porque? Porque se o senhor ficar calado eu também vou ficar. Está pensando que o bairro todinho é idiota? Esse seu boteco aí, na verdade serve só de fachada para esse seu tráfico xexelento pra pirralho!
Américo: Quem é você para falar isso de mim? Um cafetão! Um ex-presidiário!
Tuta: Sou sim e daí? Seu tráfico é menos pior que minha prostituição, é? Acorda Américo. Nós dois somos farinha do mesmo saco. Se tu me ferra, você vai tá ferrado da mesma forma.
Os dois se entreolham. Tuta tem um sorriso irônico no rosto.
Tuta: Agora vai dando as costas e toma teu rumo. Se eu arranjar o dinheiro eu te dou um toque, tá ligado? Ah, é com aquele desconto de 60% né?
Américo: Desconto?! Ora bolas, o que você...
Tuta: Sim seu Américo, o desconto!  O senhor não está lembrado?
Américo trava de vez e fica praticamente mudo. Parece que ele vai ter um infarto a qualquer momento.
Tuta: Eu tô perguntando seu Américo! Não está lembrado do desconto?
Américo: Sim, pode ser.
Tuta: Ah, eu sabia que o senhor iria lembrar. Você é um velho inteligente sabia? O senhor tem amor a vida!
Tuta dá dois tapinhas no rosto de Américo e entra para o apartamento assoviando. Américo fica ainda imóvel diante dos olhares dos poucos vizinhos que observava a cena.
V CENA

De volta ao hospital todos entram no quarto onde Patrícia está. Patrícia sorridente recebe a todos dizendo.
Patrícia: Porque essas caras? Eu estou muito bem obrigada!
Ricardo aproxima-se e após um abraço dá um beijo na boca de sua amada. Edna também abraça Patrícia e com os olhos cheio d’agua olha maravilhada para sua filha.
Edna: É tão bom te ver assim. Quantas coisas passaram por minha cabeça ao receber a notícia desse acidente minha filha. Se eu te perdesse como perdi seu irmão, acho que não suportaria...
Patrícia: Ah, mamãe!
Guta: Mas se está viva é graças esse rapaz aqui!
Patrícia olha para Gustavo e lhe dar um largo sorriso. Gustavo fica sem graça.
Patrícia: Se aproxime de mim rapaz.
Gustavo obedece e se aproxima de Patrícia.
Patrícia: Então foi você que me salvou?
Gustavo: Era meu dever.
Patrícia estende os braços e Gustavo lhe dar um forte abraço.
Patrícia: Eu não sei o que seria de mim se Deus não tivesse colocado você naquele lugar. Muito obrigado.
Gustavo: Como falei , era meu dever dona Patrícia!
Lídia: Isso merece uma foto para o jornal de amanhã!
Eriberto: Isso mesmo meu amor! Já imagino a manchete: NO LUGAR CERTO NA HORA CERTA – Jovem rapaz salva a vida de herdeira da Lemos Prado Construtora!
Lídia: Ainda bem que sempre estou munida com minha câmera. Só um instante... Vamos lá.
Todos se aproximam da cama e pousam sorridentes para a foto. Mais alguns minutos de conversa se estende até que Gustavo se dá conta do horário.
Gustavo: Nossa olha o horário! Preciso ir para casa. Ainda tenho prova na faculdade hoje!
Ricardo: Onde você mora Gustavo?
Gustavo: Na periferia da cidade. Num sobrado quase caindo. E o aluguel é um absurdo!
Lídia: Que horror!
Patrícia: Acho que podemos fazer algo em relação a isso, não é amor?
Ricardo: Como assim?
Patrícia: Nossa antigo apartamento que está desocupado. Bem, nunca conseguimos alugar ele e é bom que tenha alguém lá para cuidar. Gustavo pode ser essa pessoa. Além do mais é uma forma de agradecer pelo que fez.
Gustavo: Não senhora, não posso aceitar!
Patrícia: Você não vai me negar isso, não é? Eu faço questão!
Gustavo: Senhora infelizmente não posso aceitar.
Eriberto: O rapaz é um cavalheiro como já não se fazem mais! Um nobre cavalheiro, diga-se de passagem!
Guta: Vai garoto aproveita! Você disse que mora num sobrado velho e paga um absurdo de aluguel! Então, pra que melhor?
Gustavo: Gente vocês nem me conhecem direito e já querem me dar um apartamento!
Edna: Não o conhecemos muito é verdade. Mas pelo que vimos já é o suficiente para chegarmos a conclusão que é bom rapaz.
Gustavo: Assim como já cheguei a conclusão que são ótimas pessoas. Todos vocês!
Patrícia: Se não quer aceitar tudo bem... Mas ainda vou insistir hein! Agora quero lhe fazer um convite. E não me negue o pedido dessa vez!
Gustavo: Pode falar dona Patrícia.
Patrícia: Para comemorar a minha vida que nasce novamente, jante conosco amanhã pode ser?
Eriberto: Não acredito que vai recusar uma boca livre rapaz! Aí será o cúmulo!
Todos riem.
Gustavo: Sim o jantar posso aceitar.
Ricardo mantem-se de espreita observando tudo que acontece.
Gustavo: Agora preciso ir mesmo. Não posso chegar atrasado na faculdade. Então até amanhã!
Enquanto Gustavo abraça a todos, Ricardo anota o endereço de sua casa em um pedaço de papel.
Ricardo: Este é o nosso endereço. Vamos aguardar você.
Ricardo sai sala à vista satisfeita de todos ali presentes. O rapaz exalava paz com seu modo de falar. O tom cinza, impenetrável e privado da família Prado estava tomando um colorido mais humano. Há tempos não se reuniam e mesmo que a ocasião que os reuniu no hospital tivesse beirado uma grande tragédia, todos estavam felizes porque tal situação proporcionou um encontro a todos.
Ricardo: É, até que parece um bom rapaz.
Edna: Não acredito que este tempo todo estivesse com dúvidas disso Ricardo? Se minha fé não provasse o contrário eu poderia jurar que esse rapaz é a própria reencarnação do meu filho Eduardo!
Patrícia: Quem sabe mamãe, quem sabe. Deus nos surpreende!
EDNA: Preciso ver esse rapaz mais vezes. A presença dele me trás paz!
Música sugerida: Senhor do Tempo – Charlie Brown Jr.
VI CENA
Saindo dali, Gustavo pega um ônibus. No rosto um leve sorriso sarcástico. Observa tudo passando pela janela. Não só seu olhar está distante. Seus pensamentos vão bem mais longe que o horizonte... Tem lembranças de seu pai gritando:
PAI: Você não vai ser nada! Nada! Tá ouvindo! Sabe porque? Porque você é um erro e não tem lugar para você nesse mundo!
Essas lembranças o entristecem e de alguma forma liberam um desejo de provar o contrário, mesmo que seu pai não esteja mais vivo.
...Alguns minutos depois o ônibus para em frente a um bar.
Alguns jovens estão bebendo e outros se drogam ao ar livre sem nenhuma preocupação.  Jovens prostitutas estão já em atividade na porta do bar. Alguns carros param. Seus motoristas negociam, flertam e algumas já saem com a primeira sessão da noite acertada. Gustavo chega naquele lugar que já é bem familiar. Acena para algumas pessoas. Uma jovem magra, de cabelos curtos, negros caminha em sua direção.
DANILA: Você sabe que o movimento aqui começa é cedo não é Gustavo?
GUSTAVO: Digamos que tive alguns problemas de percurso!
Rindo, abraça Danila e a beija no rosto. Os dois tem um caso mal resolvido. No entanto se consideram amigos. Na verdade uma amizade colorida.
DANILA: Algumas de suas clientes já estiveram por aí procurando você.
GUSTAVO: E porque essa cara de ciúmes hein?
DANILA: Convenhamos que namorar um garoto de programa bem disputado não é a barra mais fácil de suportar nesse mundo!
GUSTAVO: Meu relacionamento com elas é estritamente profissional!
Gustavo ri e Danila dá um tapa em seu ombro.
DANILA: Seu safado!
GUSTAVO: Danila, acho que em pouco tempo minha vida vai tomar novos rumos. Se o que estou planejando der certo, um outro Gustavo vai surgir em Santos!
DANILA: Eu estou inclusa nesses planos?
GUSTAVO: Claro! Desde que você dance conforme a música!
DANILA: Como assim?
GUSTAVO: Esquece, deixe as águas rolarem, o tempo passar... E não me pergunte mais a respeito. Somente confie no seu Gustavo!

 

Música suregira: Malandragem - Cássia Eller

 

NÃO PERCAM O SEGUNDO CAPÍTULO NESTA TERÇA-FEIRA!