SEGUNDO CAPÍTULO

15/05/2013 20:10

 

SEGUNDO  CAPÍTULO

 

Após o café, aquele homem de olhar frio e sinistro se se encostou ao alpendre da sacada de seu apartamento luxuoso. O sol ainda se erguia preguiçoso no horizonte e refletia uma suave luz no orvalho que banhou as orquídeas do pequeno jardim que tinha na sacada. Uma manhã maravilhosa! Acendeu mais um Djarum Black e baforava brincando com a fumaça. Os acontecimentos da madrugada estavam fresquinhos em sua mente. Com destreza havia orquestrado um assassinato que livrava a Irmandade de ter seus planos malogrados. Ninguém pode nos deter! A ele estava a responsabilidade de tocar os próximos passos do secreto grupo ao qual pertencia. Sua ambição por poder o cegaram de tal forma que já não pensava como um humano. Tinha pensamentos instintivos de uma fera silvestre. Visualizava-se adornado de honras e prestígios pelos companheiros quando o telefone tocou. Abandonando a sacada adentrou o quarto e atendeu o celular que estava sobre cama. O nome que aparecia no visor do aparelho lhe chamou atenção. Ele já havia falado com ela na madrugada.

- Pode falar. Disse ríspido.

- Tenho péssimas notícias.

A doce voz da mulher estava carregada de preocupação.

- Aconteceu alguma coisa?

- Ainda não, mas se as medidas corretas não forem tomadas irão acontecer. Estávamos enganados que com a morte do traidor as coisas pudessem se resolver. Não foi exatamente assim que aconteceu!

- Vamos com calma – Disse ele – O que aconteceu de fato?

- Ele foi muito inteligente. Arranjou uma forma de repassar o segredo da irmandade mesmo depois de morto. A polícia já está envolvida no caso. Corremos grandes riscos.

- Como assim?

- Não sei explicar ao certo, mas ele deixou uma espécie de pista codificada em suas tatuagens.

- Pistas que levam ao que?

- Eu imagino que ao maior segredo que guardamos. O grande sacrifício.

Uma sensação gélida lhe percorreu toda espinha. A grande obra!

- Eu acredito que quando ele falava da tal grande obra se referisse as tatuagens das costas. Fomos enganados! Continuou a mulher para a inquietação de quem lhe escutava.

O homem soltou o ar e respirou fundo. Não admitia a ideia de ter sido enganado daquela maneira. A vontade era de explodir, mas estava visivelmente tentando manter o equilíbrio. Afinal seu orgulho não permitia ele transmitir insegurança para aquela que tanto o admirava e confiava. Após pensar alguns instantes e deixar a mulher apreensiva do outro lado da linha, falou:

- Não vou pedir explicações detalhadas sobre o que ficou sabendo. Se nossos planos correm riscos logo não sou somente o único responsável por eliminá-los. Você é uma pessoa inteligente eu sei, afinal de contas está conosco. Eu acredito que já sabe o que fazer não sabe?

A mulher ficou em silencio enquanto ouvia-o falar com um tom muito sereno. Em sua experiência de persuasão ele sabia que estava alcançando seus objetivos em convencer a mulher a agir.

- Eu acredito que posso fazer alguma coisa.

- Muitas coisas minha cara. Lembre-se esse é um mundo de fortes, somente os fortes sobrevivem. A razão de aquele traidor estar morto é que ele foi fraco para um mundo prestes a serem dominados por nós, os fortes.

A mulher aquiesceu convencida que poderia ajudar.

- Não se preocupe com nada. Não estará sozinha garanto. Aguarde minhas próximas ligações. Pretendo encontra-la. Tertia, quae caderbant!

- Fides et servitute!

Assim que encerrou a ligação o homem abriu sua valise que também estava sobre a cama. Foleou uma pequena agenda contendo os números das pessoas que poderiam ajuda-lo a tomar algumas providências. Nesta agenda continha o número de muitos políticos, celebridades, delegados, advogados, secretários de governo e uma infinidade de pessoas poderosas do país. Todas elas membros da misteriosa irmandade. Após pesquisar por um instante encontrou o número de alguém muito importante que certamente tomaria as mais rápidas medidas a respeito do caso.

 

 

 

 

 

O som estéreo do ultrapassado rádio gravador Phillips era o responsável por alimentar espiritualmente o Padre Thomas com cantos gregorianos todas as manhãs. Já havia feito as Laudes, primeiras orações de louvor do Santo Ofício, cumprido fielmente desde seus dias de coroinha. Não era um exemplar cantor, mas acompanhava o latim dos cantos que ouvia. Enquanto cantava preparava seu café. Não era um homem muito ligado ao mundo exterior, mas assim como fazer as Laudes, assistir o telejornal fazia parte de seus costumes matinais. Desligou o rádio e ligou a TV que também já estava fora de linha há muito tempo. A princípio deu de ombros a primeira notícia. Falavam dos escândalos de corrupção no congresso nacional. Encheu generosamente sua xícara de café quando teve sua atenção roubada pela próxima manchete:

- Um corpo nu, tatuado e com dois tiros foi encontrado morto hoje cedo na Praça da Sé, no centro de São Paulo.

Thomas virou para TV e deixou a xícara cair sem dar atenção para a sujeira que fizera. O coração bateu acelerado e a respiração ficou ofegante. As rápidas imagens de um corpo masculino no chão não seriam suficientes para Thomas chegar a nenhuma conclusão se um close de relance não tivesse mostrado o rosto da deusa Afrodite no braço esquerdo do cadáver. Ele reconheceu imediatamente a gravura que tanto viu nos últimos meses em sua casa do ombro do rapaz que acolhera. Meu filho!

- O corpo foi encontrado por moradores de rua que afirmam ter sido abandonado no local por um veículo em alta velocidade. Uma equipe de policiais do DHPP comandado pelo delegado Haroldo Mello cuida do caso e abriu um inquérito para investigar o crime considerado por ele um quebra-cabeça. A polícia trabalha com a hipótese de o crime ter sido motivado pelo tráfico de drogas.

Antes que a apresentadora do telejornal pudesse encerrar a notícia o sacerdote já tinha a sobrenatural certeza que a vítima era seu filho espiritual a quem tanto confortara na noite anterior. O padre correu até seu quarto, a porta do alçapão estava descoberta no canto ao lado de sua cama. Puxou um tapete e cobriu a portinhola de madeira que agora estava invisível. Para garantir o sigilo da passagem secreta para o porão arrastou uma pequena cômoda. Fazia tudo como atos premeditados. Em seguida, pregou na parede uma cruz cuidadosamente posicionada sobre a cômoda. Está protegida agora! Ele estava cumprindo tudo que seu querido filho adotivo tinha pedido dias antes. A agenda! O padre então recordou de outro detalhe. A agenda e o número que deveria ligar conforme outra importante recomendação do rapaz. Thomas ergueu o colchão da cama e lá estava a agenda. Ao folear a pequena caderneta, procurou o primeiro número do bloco C. Ao encontrar o número em questão Thomas logo estranhou o fato que todos os outros números da página estavam nomeados exceto aquele. Ao contrário dos outros o número tinha uma sigla no lugar de um nome próprio que indicasse o dono.

- C.C. C? Sussurrou Thomas com grande estranheza.

O padre tinha no quarto uma escrivaninha do começo do século passado, assim como tudo que tinha em casa. O telefone sob o referido cômodo parecia lhe encarar severo ordenando que fosse usado imediatamente. Assim o padre o fez. Agarrou o telefone com força e discou o número. O padre não tinha a menor ideia para onde estava ligando, o código de área do telefone não era de São Paulo. A ligação foi redirecionada duas vezes para a caixa postal. Na terceira vez, no entanto o padre deixou um recado pedindo que retornasse para seu número em caráter de urgência.

Após olhar para todos os feitos dos últimos minutos fez uma genuflexão diante do crucifixo de madeira e desatando o rosário da cintura começou uma oração de encomenda da alma regada a muitas lágrimas. Meu filho está morto! Padre Thomas a muito tempo não sentia tão grande dor. Ele sabia quem tinha feito esse ato, no entanto não poderia abrir a boca e nem se sujar com a justiça dos homens. Esse era seu pensamento. Apenas uma ordem Vaticana poderia liberá-lo para abrir a boca sobre o caso. No entanto, ele não pretendia nem sair de casa. Quinze minutos depois o telefone tocou para a surpresa do padre. Ele ainda estava na terceira dezena do Santo Rosário, mas não hesitou em atender com pressa a ligação.

- Alô? Disse o padre apreensivo.

- Eu retornei o mais rápido que pude!

 

 

 

Já eram quase dez da manhã quando o jatinho da FAB aterrissou na Base Aérea de São Paulo, em Cumbica, e seus dois ilustres passageiros respiravam apreensivos com a missão que tinham pela frente. O voo foi planejado às pressas porque a situação exigia medidas imediatas. A bordo dele o atual diretor-geral da ABIN, a Agência Brasileira de Inteligência, Coronel Camillo Coelho e um agente de operações que atendia pelo nome de Kleber Borralho. Poucos assuntos no país mexiam facilmente com a ABIN. Criada em 1999, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a agência é o órgão central da SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência) e tem como missão planejar, executar, coordenar e controlar todo o serviço de inteligência no país. A entidade corresponde à CIA norte americano, com direito a muita polêmica em suas ações em casos de grande repercussão nacional. Esta missão que forçara a viagem do diretor-geral da ABIN até São Paulo estava coberta do mais absoluto sigilo. Afinal, os motivos que o levarão ali poderiam custar o cargo, a reputação da agencia e um grande distúrbio político. O assunto a se resolver tinha como principal motivo a Irmandade e suas ações. Os últimos acontecimentos eram realmente preocupantes. As informações que recebera mais cedo lhe impulsionaram a tomar imediatas medidas. Ele já havia mobilizados pouquíssimos contatos para resolver o caso da melhor forma possível e estava tranquilo quanto a isso.

Mesmo a par de todos os percalços que a manobra poderia gerar em sua administração o Coronel Camillo estava ciente de que deveria fazê-lo. Uma mínima parcela da Agencia havia sido informada sobre o assunto. Os motivos do voo assim como os passageiros também haviam sido ardilosamente guardados em segredo de estado. Ao descerem da aeronave, os tripulantes entraram no luxuoso carro que já o esperavam na pista. Camillo tinha as feições tranquilas enquanto Kléber não hesitava em aparentar desconforto e insegurança.

As portas do carro se fecharam e o motorista já sabia bem para aonde leva-los. Para Kléber foi uma surpresa encontrar mais uma pessoa além do motorista no automóvel, mas para Camillo o encontro já era esperado. Diante dele um rosto austero e esnobe que atrapalhava a beleza delicada da mulher de aparência jovial. Era alta, magra, tinha longos cabelos escuros e usava um blazer e uma saia azul de fino corte. A roupa e o porte da mulher lhe davam um ar elegante e sofisticado.

- A sua disposição em nos ajudar é exemplar! – Disse o Coronel Camillo à guisa de bom dia.

- Eu acredito que a situação na verdade me força coronel. Respondeu ela com um tom de voz doce.

A mulher conferia a todo instante a tela do Nokia Lumia que tinha nas mãos como se esperasse um telefonema a qualquer instante.

- Você está sabendo de tudo a esta altura. A nossa equipe mobilizada especialmente para o caso deve ter lhe repassado tudo, correto?

- Sim. As poucas informações que prestei mais cedo ajudaram muito a confirmar nossas dúvidas.

Houve um instante de silencio. Kléber esperava ansioso o momento em que seria útil a missão.

- Então existe mesmo uma “grande-obra” que pode entregar os planos da Irmandade? Perguntou Camillo fitando um severo olhar à mulher.

- Tudo leva a crer que sim. A Irmandade estava muito enganada com aquele a quem pensava ser um traidor. Imaginavam que era um ingênuo ou inexperiente, mas ele se revelou um verdadeiro gênio.

- Eu estou colocando muita coisa em jogo nisso sabia? Você tem uma missão pela frente e não pode nos desapontar. Há nomes poderosos nessa nação envolvidos com isso. Você é a pedra em quem estamos apostando para evitar o pior. Se existir de fato uma “grande obra” temos que saber o que é e chegar a ela antes de todos.

A mulher deu um olhar de relance para Kléber.

- E ele?

- Vai ser a sua ajuda mais próxima da ABIN. Este é Kléber Borralho, um dos mais exemplares agentes que temos.

Os dois se cumprimentaram. Kléber nem conseguiu esconder o rosto de desconforto quando apertou a mão da mulher.

- Prazer Kléber. Disse ela.

- Aliás, essa será a última vez que chamará ele assim. A partir de agora ele atenderá por outro nome.

Kléber adiantou-se em abrir a pequena valise e junto com uma pasta cheia de documentos, entregou um pedaço de papel no qual tinha o nome que deveria responder dali por diante enquanto o caso não fosse solucionado. A mulher leu e arqueou as sobrancelhas pronunciando com um sussurro o nome escrito no papel.

- Fico imaginando a proporção que isso tomou para a ABIN está envolvida! Exclamou a mulher com um sorriso irônico sem levantar a vista do papel.

- Ouça minha cara, a Irmandade não é um assunto inquietante para a ABIN. É um assunto inquietante para nós. Logo, todos nós temos que ajudar com aquilo que podemos. Eu posso ajudar com a ABIN e devemos ser gratos por isso.

- Eu entendo... Disse a mulher olhando para o celular.

- A influencia é o lado bom do poder. É uma arma poderosa neste país. Com ela eu consegui fazer tudo que quis, inclusive os detalhes desta ação de mestre.

- É o que aprendemos, este mundo é mundo de fortes!

Vinte minutos depois aquele carro já estava longe de Cumbica. O centro de São Paulo era seu destino. Os três conversaram sobre inúmeros detalhes das ações que deveriam tomar nos próximos dias. Antes, no entanto, de chegarem ao destino o celular da mulher tocou....

- O jogo começou!